sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Andando na contramão.

Caminho inverso: do que eu experimento para a teoria, não da teoria para o que eu nunca vou dominar.

Andar na contramão do ensino vigente nas escolas e universidades brasileiras é partir daquilo que conheço para chegar àquilo que tenho que dominar. Quero dizer que eu não tenho que ler Dom Casmurro, Dom Quixote, Os Lusíadas apenas para concordar ou não com determinado crítico literário. Primeiro tenho que ler para experimentar. Depois disso, aí sim, tentarei expressar com minhas próprias palavras, as minhas primeiras sensações, minhas primeiras impressões. Então o caminho a seguir é partir daquilo que já conheço, que já senti, portanto já experimentei, para a teoria, e não da teoria para aquilo que jamais vou dominar com competência, porque não experimentei.

Quando parto do que conheço, meu discurso é autêntico, genuíno. Pode ser pobre, desprovido de conceitos literários ou terminologia mais precisos, mas tenho sobre ele inteiro domínio, e à medida que o tempo passa, que vou experimentando mais e mais, tenho totais possibilidades de aperfeiçoá-lo e, de carona, alguma chance de não abominar a Literatura, de encontrar para essa Disciplina alguma serventia, porque do jeito que está ela não tem nenhuma.

Quando jogam a teoria sobre mim, sou como papagaio. Não domino o conceito do crítico literário, porque é impossível (o conceito é dele, ele experimentou), nem tenho conceito próprio porque negaram-me o direito de experimentar. Depois vêm os professores-doutores, com toda a autoridade que lhes é conferida, sobretudo por diplomas internacionais (como se isso fosse sinal de competência), dizer que “nossos alunos não têm conteúdo, os textos são absolutamente iguais, os mesmos vícios, A MESMA DIFICULDADE DE ESCREVER etc. etc.”, enfim a ladainha de sempre. Ora, quer coisa mais óbvia? Por isso é que sou contra certas abominações como Provão, Enem etc., que só servem para provar que o boi muge, o sapo coaxa, o gato mia e o pinto pia. São bem cartilha mesmo! E tem gente que defende. Mas, como vovó já dizia, há gosto pra tudo. Eu apenas mudaria: há interesses pra tudo.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Crítica ao Ensino de Literatura. Como tudo começou.

Durante o segundo semestre de 1996, quando fui chamado a participar, juntamente com outros quatro colegas, de um seminário sobre Metodologia do Ensino de Literatura, tratando especificamente das estratégias a adotar em sala de aula ao se trabalhar com o texto literário, fiz um questionamento cujo alcance a classe parece não ter compreendido. Na ocasião, perguntei se não estava na hora de deixarmos a teoria em segundo plano para darmos mais atenção ao texto, às suas mensagens.

Uma das maiores preocupações minhas enquanto estudante de Letras, e, por conseguinte, estudioso da Literatura, era a de buscar uma nova postura para o professor no trato com o texto literário. A prática na Universidade tem sido invariavelmente a de nos sujeitar às mesmas e velhas táticas do ensino de Literatura empregadas nos ensinos Fundamental e Médio. Manda-se o aluno ler um determinado livro e, em seguida, pede-se-lhe que responda a um questionário, cujas questões seguem basicamente o mesmo roteiro de elaboração: "Segundo o crítico literário tal, a obra tal apresenta tais características de tal período literário. Aponte quais são estas características, citando os capítulos onde elas são mais evidenciadas." E lá vamos nós, pobres iniciantes na Literatura, ainda que a Universidade teime em dizer que somos veteranos no assunto (burros, mas veteranos?), vasculhar o livro tal em busca das tais características apontadas pelo crítico literário.

Minha aversão a esse tipo de estudo literário é mais que justificável. Afinal, que proveito podemos tirar de um texto, sobretudo o literário, riquíssimo em experiências de vida, se, em vez de o lermos com nossos próprios olhos e o sentirmos com nosso próprio coração, temos que o ler e sentir com os olhos e o coração do crítico literário tal, assim como no segundo grau tínhamos que ler e sentir como lia e sentia o professor? Onde fica a nossa leitura pessoal, o nosso conhecimento de mundo, a nossa percepção (que cada um possui em um grau específico)?

Mais grave ainda é querer que interpretemos o livro tal com o mesmo discernimento do crítico literário tal, que passou 10, 20, 30 anos debruçado sobre ele. O resultado é que ficamos num frustrante meio-termo, sem entender direito o discurso do crítico literário tal e sem ter um discurso próprio, obrigados que somos a nos expressar sempre com ideias e pensamentos que não são nossos. Assim nos tornamos todos papagaios. Triste condição porque papagaio não aprende a ler, escrever ou pensar. Papagaio só aprende a repetir. E o que mais podemos querer de um Curso de Letras, senão que nos ofereça os requisitos mínimos para que possamos vir a ter certo domínio sobre os atos de ler, escrever e pensar?

Devo salientar que uma das coisas que eu mais lia no curso eram os prefácios ou as orelhas dos livros de crítica literária. E se minha memória não me trai, uma das frases que eu mais via era mais ou menos do tipo: “30 anos de árduo trabalho de pesquisa trazem a público mais essa grandiosa obra, indispensável para qualquer biblioteca”. Na verdade, as frases tinham muito mais glamour (o que eu chamo de pavoneamento), mas na essência eram parecidas com isso. Pois bem, 30 anos de árduo trabalho de pesquisa foram necessários para que o crítico literário X tirasse suas conclusões sobre o que é Romantismo Realista, Parnasianismo, Modernismo, a poética de Pessoa, a prosa roseana etc. Mas nós, gênios como nunca houve ou haverá em solo terrestre, tínhamos três ou quatro semanas para ler, entender e reproduzir em provas e/ou trabalhos um discurso cuja construção exigiu 30 anos de estudos. Resultado: nosso discurso não era nem o discurso do crítico literário nem o nosso. O que era então? Boa pergunta.