segunda-feira, 15 de março de 2010

Uma 'palhinha' do que disse no seminário

Uma das críticas que fiz ao ensino de Literatura nas escolas e universidades brasileiras diz respeito ao número de livros que fui solicitado a ler no período que se estende do 1º ano do nível Fundamental ao último semestre do Curso de Graduação em Letras. Dá pra contar nos dedos. Dos que li no nível Fundamental nem tenho mais lembranças, tão raros foram. No Ensino Médio, mal e porcamente, li 3. Na verdade deveriam ser 4, mas um deles era maçante pra burro, então eu fiz o trabalho que a professora pediu apenas lendo uma daquelas fichas-resumo que as editoras encartam no final dos livros. E o interessante é que essas fichas-resumo acabavam se transformando em argumento de vendas. É que o aluno na hora de optar por um livro, escolhia, por conveniência, pra não dizer preguiça, aquele que vinha com a tal ficha. Mais interessante ainda era ver o professor agindo como vendedor ao dizer para o aluno “compre o livro da editora fulana de tal que já vem com um resumo muito bom!”.
No Curso Superior deixei de fazer diversos trabalhos porque percebia claramente não haver neles nenhuma possibilidade de aprendizagem. Eram trabalhos a meu ver inócuos, cujo proveito único para o aluno eram os pontos que eles valiam. E como meu objetivo não era estar entre as melhores notas da sala, eu simplesmente desprezava tais trabalhos e tratava de ocupar meu tempo lendo Mitologia Grega, crônicas de Machado de Assis, obras de Freud, textos de Filosofia, Psicologia etc. Alguns colegas até achavam graça quando me viam desfilando com obras que aparentemente nada tinham a ver com os trabalhos que a Universidade pedia.

Por falar em crônicas de Machado de Assis, eu jamais teria tido contato com elas não fossem minhas fugas das aulas. Isso porque para os mestres e doutores só existe o Machado de Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Chega a ser contagiante a euforia deles em torno da discussão que eles consideram o ponto central em Dom Casmurro: afinal, Capitu traiu ou não traiu Bentinho? Dom Casmurro que, aproveito pra dizer, nunca li por inteiro. Até porque, pasme o(a) leitor(a), os trabalhos solicitados pelas escolas e Universidades não exigem a leitura do livro por completo. Geralmente apontam para capítulos ou passagens específicas. Alguns, pasme mais ainda, não exigem leitura nenhuma. Dá pra fazê-los apenas com o conteúdo extraído das conversas dos colegas em sala e pelos corredores ou, ainda, das já citadas fichas-resumo. Um pouquinho de observação e um mínimo de habilidade com a escrita para amarrar uma coisa na outra e pronto: tem-se um trabalho digno de aprovação.

Mas voltando às crônicas de Machado de Assis, não posso deixar de apontar aqui outro crime cometido nos cursos de Literatura, que é o de restringir a obra de um escritor como Machado a dois ou três livros. É como se a Universidade dissesse para o aluno que os outros trabalhos desse escritor não merecem ser lidos ou apreciados, quando esse julgamento deve partir do próprio aluno, após conhecer a obra do escritor.

Não quero dizer com isso que é preciso obrigar o aluno a ler no curso de Letras toda a obra de Machado, toda a obra de José de Alencar e por aí afora, só acho sacanagem o professor se prender a dois ou três títulos por considerá-los os mais importantes ou interessantes de se ler, quando na verdade a obra toda pode e deve ser considerada objeto de estudo e, como tal, deve ser explorada pelo aluno. Tivesse eu seguido fiel e cegamente o programa de curso dos professores, jamais teria tido contato, por exemplo, com as deliciosas crônicas de Machado de Assis, cujo conteúdo permite ver com total clareza alguns dos principais traços da obra desse autor.

Encerro o assunto dizendo que à Universidade cabe me ensinar como se deve ler um texto ou obra literária, e não determinar o que eu devo ler por achar isso ou aquilo. Insisto: a Universidade pode até ter seu pensamento sobre determinada obra ou autor, mas não pode me negar o direito de, enquanto pensador, julgar o que é bom e o que é lixo. Desse julgamento eu não abro mão!